“Bingo – O Rei das Manhãs” de um tempo sem noção
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Por Edianez Parente
Virou lugar comum hoje em dia classificá-la como a década dos absurdos. Mas por aqui os anos 80 foram absolutamente ricos em termos de criatividade, efervescência cultural, descobertas e também da profusão de um certo mau gosto avassalador . Os anos 80 ainda não foram totalmente decifrados, mas é preciso estudar um pouco este período – quando no primeiro mundo o conservadorismo reinava e por aqui fizemos a transição da ditadura militar para a eleição indireta para presidente da República – para entender o alvoroço na mídia, moda e na indústria cultural.
É nesse contexto que vemos em cartaz nos cinemas a história de “Bingo – O Rei das Manhãs”, na verdade uma biografia romantizada do ator Arlindo Barreto. Ele foi o primeiro titular do palhaço Bozo, uma franquia de programa norte-americano adquirida pelo SBT para preencher sua programação infantil no período matutino.
Antes de tudo, este longa-metragem de estreia do diretor Daniel Rezende retrata o modo como a televisão era e ainda é feita. Desde como se dá a introdução dos formatos internacionais que precisam aqui ser adaptados, muitas vezes a contragosto dos detentores gringos, até os bastidores. E é muito interessante que, após quase duas décadas de predomínio da Globo Filmes nas grandes produções do cinema nacional, o universo televisivo seja abordado com foco fora da emissora líder. “Bingo – O Rei das Manhãs” também é um dos últimos trabalhos como produtora de Debora Ivanov, hoje presidente-interina da Ancine, então na Gullane.
Vladimir Brichta tem desempenho irretocável no papel principal, com todas as nuances que personagem tão complexo requer: filho de atriz (que foi vedete e jurada de programa de auditório Márcia de Windsor), ex-ator pornô, pai separado, palhaço, viciado em cocaína até finalmente se converter em pastor.
O filme traz ainda pontas primorosas. Pedro Bial é o executivo da emissora concorrente (Mundial, a líder de audiência); Emanuelle Araújo faz uma Gretchen autêntica. E tem o último papel para cinema do ator Domingos Montagner, que morreu afogado em 2016 nos últimos dias de gravação da novela “Velho Chico”.
Rodado em São Paulo, o filme conta com uma feliz caracterização da época, em muito favorecida pelo centro velho da cidade e locações em bairros tradicionais que ainda não tiveram a paisagem urbana muito modificada pela especulação imobiliária. Cenários, figurinos e a estética dos 80 estão muito bem contemplados em cada uma das cenas, sob o embalo de hits musicais da época.
BINGO – O REI DAS MANHÃS
Brasil 2017 – Direção: Daniel Rezende. Com Vladimir Brichta, Leandra Leal, Augusto Madeira, Ana Lúcia Torre, Tainá Müller. Roteiro: Luiz Bolognesi. Trilha: Beto Villares. produtora: Gullane. 111 min. 16 anos.